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Lei n. 14.181/21 e a preocupação do Estado em prevenir e tratar a condição de Superendividamento.


A missão do Poder Judiciário em evitar a “falência” da pessoa física.


  • Introdução:


Para entender o contexto da edição da Lei do Superendividamento, devemos retornar ao início do século XXI. Uma das políticas do governo à época era o estímulo do crédito à pessoa física, ao exemplo da edição da Lei n. 10.820/03, que instituiu o crédito consignado em folha de pagamento.


Independente do seu poder aquisitivo, o brasileiro tem a cultura de assumir dívidas de longo prazo, e isso se verifica desde a tomada de crédito para financiamento estudantil até a aquisição financiada de utensílios domésticos.


Em outras palavras, o brasileiro médio tem o costume de comprometer boa parte de sua renda com dívidas financiadas a longo prazo. Junte a isso o valor do salário-mínimo, o fato de que boa parte das famílias brasileiras tem de sobreviver com renda que raramente ultrapassa o dobro dessa quantia, que o reajuste anual desse “mínimo” não acompanha os juros praticados pelas instituições financeiras e você terá uma bomba relógio.


Tanto é verdade que há um estudo realizado recentemente pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviço e Turismo (CNC) demonstrando que o nível de endividamento das famílias brasileiras chegou ao patamar de aproximadamente 70%. Frise-se que embora este percentual não represente a condição de superendividamento, o cenário não deixa de ser alarmante, ainda mais quando inserimos a Pandemia do Covid-19 neste cenário.


Neste contexto, houve a necessidade da intervenção estatal no sentido de auxiliar e orientar as famílias em situação de superendividamento, pois a questão da tomada de crédito de forma indiscriminada é motivo de grande preocupação inclusive no tocante à economia nacional, visto que um elevado número de pessoas nessa condição significa a diminuição do poder de consumo médio, o que afeta diretamente a iniciativa mercantil.


Basicamente, quanto menor o poder de consumo, menor será a iniciativa empresarial e maior é o número de desempregados, daí a necessidade de intervenção do Estado de forma a equilibrar essa balança.


  • A edição da Lei 14.181/21, o fomento à educação financeira; a prevenção e o tratamento do superendividamento e a “Recuperação Judicial” da pessoa física.


Em julho de 2021, entrou em vigor a Lei do Superendividamento, alterando sensivelmente o Código de Defesa do Consumidor em seus Capítulos II – “Da Política Nacional de Relações de Consumo”; III – “Dos Direitos Básicos do Consumidor”; VI – “Da Proteção Contratual”, além de introduzir o Capítulo VI-A – “Da Prevenção e Do Tratamento do Superendividamento” e o Capítulo da “Conciliação no Superendividamento”. Também houve alteração ao Estatuto do Idoso no tocante à possibilidade de recusa pelo fornecedor na concessão do crédito com fundamento na condição de superendividamento, sem que isso seja considerado um ilícito.


Embora a lei originalmente tenha apenas 5 artigos (o artigo 4º foi vetado), as alterações na política de concessão de crédito ao consumidor foram significativas. Ao analisar detidamente o espírito da lei, temos a impressão de que o legislador pretende dispor a respeito da “Recuperação Judicial” da pessoa física, de forma a evitar sua falência.


Neste sentido, é importante notar que o legislador instituiu como direito básico do consumidor a garantia a um “mínimo existencial”, a ser definido de forma regulamentar. Inobstante, enquanto não houver um parâmetro legal a respeito do que seria o “mínimo existencial”, caberá ao Poder Judiciário estabelecer tais critérios caso a caso.


Alguns pontos interessantes devem ser ressaltados, como a preocupação em aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e o fomento à sua educação financeira, de forma a prevenir e tratar o superendividamento, visando evitar a exclusão social do consumidor.


Importante notar a perspicácia do legislador em se preocupar com a responsabilidade do fornecedor na concessão de crédito ao tomador, fazendo menção expressa à necessidade de análise do perfil do consumidor junto aos órgãos de proteção ao crédito e a proibição na divulgação da possibilidade de concessão de crédito sem a exigência dessa análise (vide inciso II do artigo 54-C do CDC). Parece ser o fim da campanha publicitária do “empréstimo para negativado”.


Por fim, a lei concede ao magistrado ampla permissão de prestação jurisdicional para organização dos débitos discutidos em juízo, de modo a garantir o mínimo existencial ao consumidor, inclusive revisando cláusulas contratuais e “impondo” ao fornecedor de serviços de crédito a repactuação dos débitos através de um “plano de pagamento”, que pode resultar no refinanciamento dos débitos para pagamento em até 05 (cinco) anos.


Contudo, o legislador impõe condições ao consumidor, ao exemplo da necessidade de comprometimento expresso no sentido de não contrair dívidas durante a vigência do plano de pagamento homologado em juízo.


Destarte, importante esclarecer que a lei não dispõe sobre o endividamento, mas sim sobre a necessidade de prevenção e tratamento ao superendividamento, o que significa que seus ditames não serão aplicados de forma indiscriminada, pois haveria um desestímulo ao bom pagador em detrimento da possibilidade de calote.



Bruno Ricci - OAB/SP 370.643

Contato: (11) 99416-0221






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