A profissão de advogado criminalista é, certamente, uma das mais controversas e polêmicas à luz do senso comum.
Não são raras as situações em que a figura do advogado é confundida com a do cliente e, muitas vezes, com a do próprio crime.
O senso comum parte do princípio de que a função do advogado criminalista é defender o criminoso e o crime, sem qualquer tipo de limites e escrúpulos. É ele o defensor da criminalidade e da impunidade.
Isso acontece por diversos motivos, dentre eles a influência da mídia nos casos de grande repercussão, a exploração apelativa de alguns jornais policiais (muitos dos quais o sangue praticamente escorre pela televisão) e, certamente, pela ignorância (falta de conhecimento) da maioria das pessoas quanto à verdadeira função do advogado, do Direito Penal e do Processo Penal.
Qual a verdadeira função do Código Penal?
Ao contrário do que as pessoas costumam acreditar, o Código Penal não tem por objetivo limitar as ações dos cidadãos. Fosse esse o objetivo, ele seria natimorto.
Primeiro, pelo fato de que é impossível ao Estado fiscalizar milhões de pessoas simultaneamente de modo a impedi-las de cometer delitos.
Aliás, se a intenção fosse limitar a ação do cidadão, não faria sentido descrever uma conduta e, em seguida, prescrever uma sanção. Ora, se a pena é prescrita logo após a descrição da conduta criminosa, isso pressupõe que o Estado está admitindo a possibilidade de que o crime seja cometido e as consequências disso.
Em verdade, o Código Penal visa limitar o Poder Punitivo do Estado, e não o agir do cidadão. É por isso que que falamos em “Direito Penal”. Quem tem direito é o cidadão, o Estado tem poderes e deveres.
Ao longo da história, não faltam exemplos que possibilitem o leitor a entender a afirmação de que o Código Penal visa limitar o Poder Punitivo Estatal.
Primeiramente, é preciso entender que o Direito Penal não é uma construção de nossa geração, mas sim histórica.
Ao longo dos séculos, o Estado já aplicou os mais cruéis meios de punição aos cidadãos (em especial aos pobres e aos “inimigos da nação) e, não faz muito tempo, as penas eram infligidas ao corpo do infrator.
Como exemplos, temos os suplícios, as penas de tortura e morte aplicadas pela “Santa Inquisição” às mulheres na idade média sob a suposta alegação de que seriam “bruxas a serviço de Satã”.
Somente a partir do Iluminismo é que a ideia de cerceamento de liberdade como forma de imposição de pena passou a ser a regra em toda sociedade “civilizada”.
Na prática, transferiu-se o castigo corporal para uma espécie de castigo mental, de sorte que se no passado o infrator pagava com sua integridade física e até mesmo com a vida, passou a ser punido com o cerceamento de sua liberdade. É a ideia de humanização das penas.
Outro marco histórico importante e mais recente que influenciou diretamente na limitação de Poder Punitivo Estatal foi o genocídio praticado pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.
Somente a partir do Julgamento de Nuremberg é que nasce a ideia de crimes contra a humanidade, dignidade da pessoa humana, direitos humanos etc.
Em suma, toda vez que o Poder Punitivo Estatal não encontra limites, o resultado é um genocídio. Na idade média, o das “bruxas”. No século XX, dos judeus.
Portanto, quando o Código Penal preconiza em seu artigo 121 que a consequência a quem matar alguém é uma pena de reclusão que varia entre 6 e 20 anos, as balizas são impostas ao Estado, e não ao cidadão.
Diz-se: Estado, você só pode punir com pena de reclusão de no mínimo 6, e no máximo 20 anos.
O papel do Advogado e sua visão sobre o Processo Penal.
Nos termos do artigo 133 da Constituição Federal, o advogado é indispensável à administração da justiça.
Acredito que alguns (ou muitos) leitores ficarão desapontados ao saber que o advogado não é um agente do crime, defensor de bandidos, legitimador da impunidade.
Negativo, nosso papel é muito mais nobre e, em uma sociedade extremamente punitivista, muito incompreendido. E isso se explica.
Nós, os “cidadãos de bem”, só somos capazes de pensar na questão criminal sob a perspectiva da vítima e do punidor.
É que nos agrada a prisão do vizinho; acreditamos que a questão criminal está alheia à sociedade, à margem dela. Cremos que o crime é uma doença moral que nunca irá nos atingir.
Queremos distância dos resíduos sociais (infratores) e suas "moscas" (advogados). Somos preconceituosos e, em última análise, acreditamos ser muito melhores que essa "gentalha".
Só passamos a respeitar e a clamar por um advogado quando o vizinho somos nós. Nossos filhos. Nossos amados.
Somente passamos a entender o papel das moscas quando somos nós os resíduos.
É que quando o Poder Punitivo estatal bate à nossa porta (ainda que por engano, pois o criminoso mora à casa a frente), passamos a ser mais humildes, menos intolerantes e mais compreensivos com os “direitos dos manos”. Clamamos pelo advogado e, se ontem ele era o maior dos vilões, hoje passou a ser nossa última esperança. É a última linha de defesa entre a nossa liberdade (e dignidade) e o todo poderoso Estado.
A história nos mostra que nunca houve sociedade sem crime; mas já houve sociedade sem devido processo penal e direito à defesa, e o resultado foi um massacre.
Em verdade, o papel do advogado não é defender o crime e tampouco a impunidade, mas sim os Direitos Constitucionais do acusado.
E não importa se o crime imputado é o de homicídio, estupro, tráfico de drogas, roubo ou estelionato. Nosso papel é o de fiscalizar os limites impostos pelo Estado ao Estado no tocante ao exercício do seu Poder Punitivo.
Ao contrário do que muitos podem pensar, ao defender o acusado, o advogado não o coloca sentado em seu colo e nem passa a mão em sua cabeça, rogando por piedade, clemência e uma absolvição infundada. Não.
Nossa defesa não é moral, religiosa e tampouco fraternal. Trata-se de uma defesa técnica, atenta às provas, ao devido processo penal e aos direitos fundamentais insculpidos no artigo 5º da Constituição Federal.
Não procuramos por “brechas” na lei, nós exigimos o seu efetivo e integral cumprimento.
Se o caso comporta absolvição, é atrás dela que o advogado se dirige. Se o caso comporta condenação, o que se procura é a imposição da pena mais justa e digna, sob a perspectiva dos direitos e garantias processuais e constitucionais do cidadão.
Imagine uma via com fluxo constante de veículos. A via expressa é o Poder Punitivo Estatal exercido pela Polícia e cada veículo representa um caso levado ao Poder Judiciário. Este, por sua vez, funciona como o semáforo.
Ele é o responsável por dar sinal vermelho, amarelo ou verde a esse Poder Punitivo. Suas balizas para tanto são o devido processo penal e os direitos constitucionais do cidadão.
Entretanto, e não raras as vezes o semáforo é desrespeitado ou simplesmente se recusa a funcionar. Está sempre verde. É aí que entra em ação o fiscal de trânsito (advogado), imprescindível em seu papel.
Com o perdão do exemplo esdruxulo, basicamente, essa é a dinâmica do Poder Punitivo Estatal, do Processo Penal e do advogado nesse cenário.
Em última análise, o advogado é o fiscal da Constituição Federal e da Lei, funcionando como verdadeiro representante do povo perante o todo poderoso Estado.
Nos dizeres do icônico jurista Sobral Pinto:
“O advogado só é advogado quando tem coragem de se opor aos poderosos de todo o gênero que se dedicam à opressão pelo poder. É dever do advogado defender o oprimido. Se não o faz, está apenas se dedicando a uma profissão que lhe dá o sustento e à sua família. Não é advogado”.
Esse é o nosso papel.
Essa é a nossa visão.
Bruno Ricci - OAB/SP 370.643
Contato: (11) 99416-0221
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