Nos termos do inciso XXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, o Tribunal do Júri é competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, quais sejam: homicídio, infanticídio, instigação ou auxílio ao suicídio e à automutilação e aborto.
No tocante à forma, trata-se de procedimento bifásico, sendo a primeira fase uma espécie de filtro para a apuração de indícios de autoria e prova de materialidade de um crime doloso contra a vida apto a ser julgado pelo Tribunal do Júri (segunda fase).
De maneira bem grosseira, assim como o inquérito policial é um filtro para a apuração da existência de justa causa para o oferecimento da denúncia (leia-se, prova de materialidade e indícios de autoria), a primeira fase do júri (também conhecida como juízo de acusação) é uma espécie de filtro para a verificação de justa causa no tocante à viabilidade de pronúncia do acusado ao Tribunal do Júri.
Já a segunda fase (conhecida como juízo da causa) é aquela em que o procedimento é repetido (no tocante à produção de provas, oitiva de testemunhas e debates orais) perante o conselho de sentença, composto por sete jurados que, ao final, julgarão o mérito da pronúncia. É em plenário que o mérito da causa será apreciado pelos jurados de maneira a condenar ou absolver, ao passo que o juiz togado/presidente irá ler a sentença de absolvição ou aplicar a pena correspondente ao acusado, no caso de condenação pelos jurados.
Essa introdução é extremamente importante para o entendimento daquilo que deverá ou não ser alegado em resposta à acusação.
No procedimento comum, a resposta à acusação é o momento para atacar os fundamentos da denúncia, alegando as teses do artigo 395 do CPP (inépcia, falta de requisitos para o exercício da ação penal e ausência de justa causa) e do artigo 397 do CPP (hipóteses de absolvição sumária), bem como para arrolar testemunhas, juntar documentos e requerer diligências.
No que diz respeito à resposta à acusação na primeira fase do Tribunal do Júri, não se pode perder de vista que, na esmagadora maioria das vezes, o magistrado irá proferir a decisão de pronúncia, remetendo o acusado à júri.
Portanto, toda estratégia a ser traçada pela defesa deve ter em mente a utilidade e aparência do processo aos olhos dos jurados; ou seja, utilidade no sentido de que talvez não valha a pena antecipar teses e juntar documentos já em resposta à acusação, visto que isso daria ao Ministério Público a possibilidade de impugnar as teses e documentos apresentados, de forma que a defesa perante os jurados seria prejudicada, inclusive no que diz respeito à imagem da defesa perante os sete julgadores.
Imagine, por exemplo, que uma das teses de defesa seja a semi-imputabilidade do acusado. Trata-se da perda parcial da compreensão da conduta ilícita e da capacidade de autodeterminação ou discernimento sobre os ilícitos praticados.
Diferentemente da inimputabilidade, que é uma excludente de culpabilidade e muitas vezes demanda a instauração de um incidente, a semi-imputabilidade é uma causa de diminuição de pena que não depende da instauração do incidente, visto que dificilmente será constatada através de um exame psiquiátrico.
Imagine que o seu cliente esteja sendo acusado de matar um vizinho com golpes de barra de ferro, e que existam testemunhas que não compareceram ao inquérito policial que atestam que o acusado já sofreu forte golpe na cabeça, e que desde então tem picos de instabilidade, ficando confuso e violento. Considere, ainda, que a família do acusado tenha o prontuário médico e atestado demonstrando que o ferimento de fato ocorreu.
Durante a resposta à acusação, não faria sentido requerer a instauração do incidente de insanidade mental pois, conforme esclarecido alhures, dificilmente haveria detecção da instabilidade emocional do acusado, visto que os episódios não seriam constantes. Assim sendo, a defesa de um lado anteciparia uma tese importante para se desenvolver em plenário, ao passo que ao requerer a instauração do incidente estaria dando um tiro no pé.
Isso valeria para a juntada dos documentos médicos, visto que anteciparia a tese de defesa e daria ao Ministério Público a possibilidade de atacar os fundamentos da tese durante todo o processo.
Portanto, nos parece que o caminho mais interessante à defesa seria arrolar as testemunhas e apresentar os documentos apenas na fase do artigo 422 do CPP ou, melhor ainda, no prazo do artigo 479.
Dessa forma, a defesa manteria útil a tese de semi-imputabilidade, ao passo em que teria produzido provas durante a instrução na primeira fase através da oitiva de testemunhas, no sentido de que em razão de um forte golpe sofrido na cabeça, o réu teria como sequela a instabilidade emocional e comportamental.
De outro norte, a defesa teria o efeito surpresa no tocante aos laudos e atestados médicos, visto que seriam apresentados três dias antes do julgamento, dificultando o trabalho do Ministério Público e dando aparência de autoridade à defesa no tocante à visão dos jurados.
Portanto, ao apresentar a resposta à acusação nos processos que envolvam crimes dolosos contra a vida, a defesa deve se ater às teses dos artigos 395 e 397 do CPP e, no tocante às teses de absolvição sumária do artigo 397, devem ser alegadas quando flagrante a hipótese de configuração, como por exemplo no caso em que todas as testemunhas no inquérito confirmam que o acusado agiu em legítima defesa.
Na dúvida, as teses de mérito não deverão ser apresentadas e os documentos não deverão ser juntados. Lembre-se que no Tribunal do Júri a possibilidade de juntada de documentos ocorrerá em outras duas oportunidades além do prazo para resposta à acusação, quais sejam as dos artigos 422 e 479 do CPP.
Se a defesa perceber que a juntada de documentos e antecipação de teses poderão resultar na impronúncia, absolvição sumária do acusado ou desclassificação para crime cuja competência é do juiz togado, valerá à pena correr o risco.
Do contrário, a resposta à acusação deverá ser utilizada para atacar os fundamentos da denúncia, como por exemplo alegando a ausência de justa causa no tocante a uma ou algumas qualificadoras.
Não havendo teses a arguir quanto às hipóteses dos artigos 395 e 397 do CPP, a defesa deverá apenas arrolar testemunhas e indicar provas a serem produzidas, conforme o caso.
Bruno Ricci - OAB/SP 370.643
Contato: (11) 99416-0221

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