O Código de Defesa do Consumidor, especificamente no § único do artigo 42, dispõe que o consumidor cobrado em quantia indevida terá o direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, de forma atualizada e com os juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
O tema referente aos requisitos da restituição em dobro com fundamento no Código de Defesa do Consumidor já foi objeto de estudo, cujo conteúdo você poderá encontrar aqui e, resumidamente, há que se demonstrar a existência de relação de consumo, o efetivo pagamento de quantia indevida e a presença do dolo na cobrança, ressalvada a hipótese de engano justificável.
Contudo, existe um outro instituto no ordenamento jurídico que também prevê como penalidade ao credor o dever de restituir ao devedor o dobro do que efetivamente cobrou em excesso. Trata-se do artigo 940 do Código Civil, “in verbis”:
'Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. '
Mas afinal, qual a diferença entre a repetição de indébito do Código Civil e a do Código de Defesa do Consumidor? E mais, se a cobrança indevida é objeto de relação de consumo, isso implica na impossibilidade de restituição em dobro com fundamento no Código Civil?
Para destrinchar o assunto, passemos a analisar o posicionamento do STJ quando do julgamento do REsp: 1645589 MS 2016/0186599-2. A controvérsia do recurso era justamente a possibilidade de aplicação da sanção do artigo 940 do Código Civil na hipótese de cobrança indevida de dívida oriunda de relação de consumo.
A respeito da distinção entre os institutos e a possibilidade de aplicação da restituição em dobro com fundamento no Código Civil, assim fundamentou o Exmo. Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva:
“4. Os artigos 940 do Código Civil e 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor possuem pressupostos de aplicação diferentes e incidem em hipóteses distintas. 5. A aplicação da pena prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC apenas é possível diante da presença de engano justificável do credor em proceder com a cobrança, da cobrança extrajudicial de dívida de consumo e de pagamento de quantia indevida pelo consumidor. 6. O artigo 940 do CC somente pode ser aplicado quando a cobrança se dá por meio judicial e fica comprovada a má-fé do demandante, independentemente de prova do prejuízo.”
Dessa forma, podemos concluir que na hipótese do artigo 940 do Código Civil, a restituição em dobro só será devida se a cobrança ocorre de forma judicial e desde que comprovada a má-fé por parte do credor, independente do efetivo prejuízo ao do devedor (leia-se, efetivo pagamento).
Já a hipótese do CDC, pressupõe relação de consumo e cobrança extrajudicial, além do efetivo pagamento por parte do consumidor, salvo hipótese de engano justificável pelo credor (aqui o relator se equivocou, pois deu a entender que a penalidade seria devida desde que presente o engano justificável quando, na verdade, essa é hipótese de afastamento da sanção, daí a expressão “salvo” constante no dispositivo do CDC).
No tocante à possibilidade de aplicação da sanção do artigo 940 Código Civil, em se tratando de dívida oriunda de relação de consumo e ausentes os pressupostos do § único do artigo 42 do CDC, assim se posicionou o relator:
“7. No caso, embora não estejam preenchidos os requisitos para a aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC, visto que a cobrança não ensejou novo pagamento da dívida, todos os pressupostos para a aplicação do art. 940 do CC estão presentes. 8. Mesmo diante de uma relação de consumo, se inexistentes os pressupostos de aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC, deve ser aplicado o sistema geral do Código Civil, no que couber. 9. O art. 940 do CC é norma complementar ao art. 42, parágrafo único, do CDC e, no caso, sua aplicação está alinhada ao cumprimento do mandamento constitucional de proteção do consumidor. 10. Recurso especial não provido.”
Assim sendo, podemos concluir que embora disponham de sanções idênticas para a cobrança de dívida inexistente, os requisitos e hipóteses dos artigos 42, § único do CDC e 940 do Código Civil não se confundem. Ademais, resta claro que a cobrança de dívida oriunda de relação de consumo não afasta a incidência do dispositivo civilista.
Bruno Ricci - OAB/SP 370.643
Contato: (11) 99416-0221
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