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Conheça todas as fases da dosimetria da pena.

A dosimetria da pena consiste na quantificação da pena, de acordo com os critérios legais.


Durante esse processo de concretização da reprimenda, há que se respeitar o princípio da legalidade e da individualização da pena. No Brasil, o sistema adotado é o trifásico, desenvolvido pelo grande jurista Nelson Hungria.


Neste sentido, o art. 68 do C.P. concretiza o sistema trifásico de Nelson Hungria ao trazer uma baliza, um modus operandi para o juiz fixar a pena:


“Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.”


Assim sendo, podemos concluir que o juiz deverá fixar a pena base de acordo com o artigo 59 do CP; em seguida, fixará a pena intermediária, atendando à presença de agravantes e atenuantes; por fim, o magistrado fixará a pena em definitivo, aplicando as causas de aumento e diminuição cabíveis ao caso concreto.


A seguir, estudaremos o passo a passo a ser seguido pelo magistrado.


  • Primeira fase da dosimetria da pena: Circunstâncias judiciais do art. 59 do CP.


Nos termos do artigo 59, o juiz pensará em pena com caráter de prevenção e reprovação do crime. Considerará sete fatores: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos do crime, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.


a) Culpabilidade:


Aqui, a culpabilidade não se confunde com a do conceito tripartite de crime. E muitos juízes erram quanto a isso. A culpabilidade do conceito de crime interfere diretamente na ocorrência ou não do crime.


A culpabilidade para fixação da pena não tem a ver com imputabilidade, consciência da reprovabilidade da conduta e exigência de conduta diversa. A culpabilidade que aumenta a pena é o grau de censura, reprovabilidade do crime.


b) Antecedentes:


Trata-se da vida pregressa. Há quem diga que é a consagração do direito penal do autor, assim como ocorre com o caso da reincidência. Aumenta-se a pena por aquilo que o apenado é.


Importante ressaltar que o juiz não pode considerar a condenação ao mesmo tempo como maus antecedentes (primeira fase) e reincidência (agravante).


Se houver duas condenações, por exemplo, o magistrado poderá utilizar uma para aumentar a pena base e outra para agravar a pena provisória. Vale lembrar que o juiz não pode utilizar como maus antecedentes inquéritos policiais e ações penais em andamento, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência.


O advogado precisa estar atento, pois há juízes que consideram antecedente condenação por crime cometido após o crime em análise. Isso não pode ser feito. Antecedente é o que foi praticado antes do crime, e não depois. A defesa deve sempre brigar para afastar essa situação. Antecedente pressupõe antecipação do fato.


c) Conduta social:


Através de testemunhas, o juiz terá o parâmetro a respeito disso, saberá se o acusado é solícito à comunidade, por exemplo, se presta serviços voluntários. O contrário pode acontecer, como no caso de uma testemunha alegar que o réu não trabalha, que sempre arruma confusão, que depreda o patrimônio público etc. Também consagra o direito penal do autor.


d) Personalidade do agente:


É ainda mais difícil de ser analisada pelo magistrado. Também consagra o direito penal do autor. Ao proferir a sentença e fixar a pena base, o juiz costuma alegar que não há elementos para avaliar a personalidade do réu. Por isso, a defesa deve sempre apresentar testemunhas abonatórias da conduta do acusado. Na prática, é difícil distinguir conduta social de personalidade.


Outro ponto que merece atenção é o fato de ser comum os juízes fundamentarem que o réu tem a personalidade voltada para o crime, quando ele tem inquéritos e ações penais em andamento, por exemplo. Isso é uma forma de burlar a regra dos antecedentes e viola a presunção da inocência.


A verdade é que é muito difícil definir o que seria uma personalidade negativa. Nesse sentido, os tribunais tendem a diminuir a pena nesse ponto. Eles costumam discordar desse exagero dos juízes de primeiro grau, pois a personalidade voltada para o crime se confunde com a questão dos antecedentes.


e) Motivos do crime:


Aqui, é preciso ter cuidado. Se a conduta já é qualificada com base no motivo (torpe, fútil), o juiz não pode aumentar a pena base pelo mesmo motivo, sob pena de bis in idem. Também não é possível aumentar a pena quando o motivo for algo inerente ao tipo, como a intenção de obter vantagem sem o emprego de trabalho e obter lucro fácil, no caso de furto e roubo. Nesse caso, a defesa deve alegar que há falta de fundamentação e ofensa ao non bis in idem.


f) Circunstâncias e consequências do crime:


São as circunstâncias quanto a tempo, meio de execução, lugar. Pode justificar o aumento. Se já for aplicável pela qualificadora, agravante ou causa de aumento, não é possível aplicar na primeira fase da dosimetria.


Quanto às consequências, seguimos a mesma regra do bis in idem, ou seja, se for inerente ao tipo, não poderá ser aplicada. Os juízes de primeiro grau tentam aumentar a pena com base em coisas que fogem do caráter diferenciado do crime. Ora, no crime de furto, é consequência normal a perda do bem. No homicídio, a perda da vida.


Importante ressaltar que a jurisprudência entende que não é consequência do crime o gasto anormal do estado com as investigações.


Já o abalo na vítima que chega ao ponto de desenvolver uma doença mental, psicológica, é consequência apta a aumentar a pena, mesmo que seja o caso de uma ameaça. Mas o abalo deve ser anormal, além o elemento do tipo.


g) Comportamento da Vítima:


A doutrina é pacífica no sentido de que essa circunstância apenas beneficia o réu. Há quem diga que se a vítima provocou o réu com roupas curtas, ocasionando o crime de estupro, ela seria uma “vítima nata”, e a pena deveria ser reduzida. O mesmo raciocínio se aplicaria à pessoa que vai a uma comunidade carente ostentando roupas e artigos de luxo, provocando o agente a cometer furto, roubo. Isso é bem polêmico.


Os autores atuais não alegam a existência da vítima nata para diminuição da pena. Na prática, somente provocações sérias justificam a diminuição da pena. Agressões que não sejam em legítima defesa, desafios e deboches são alguns exemplos que justificam a redução ou a manutenção da pena no mínimo.


Feita a análise das circunstâncias judiciais do artigo 59 do C.P. e fixada a pena base, o juiz iniciará a segunda fase da dosimetria da pena.


  • Segunda fase da dosimetria da pena: Agravantes e Atenuantes


O parâmetro será a pena base, ou seja, aquela fixada na primeira fase. Se o resultado da pena base foi de dois anos, essa pena será agravada ou atenuada, na segunda fase. Vale lembrar que não é possível fixar a pena abaixo do mínimo e nem acima do máximo.


O resultado da segunda fase é chamado de pena provisória.


Um ponto interessante a ser notado é que a lei disciplina as agravantes e atenuantes, mas não diz sobre o quantum no tocante ao aumento e à diminuição em razão da aplicação das circunstâncias agravantes e atenuantes.


Por essa razão, o advogado deve estar atento à discussão do percentual, a fração resultante do reconhecimento de uma atenuante pela confissão, por exemplo.


É importante ressaltar que há uma decisão do STJ, prolatada no Agravo Regimental no HC 373.429, no sentido de que se as causas de aumento variam entre um sexto e dois terços, agravantes e atenuantes não podem ser superiores a isso. Para o STJ, o máximo da fração da agravante ou atenuante é 1/6, pois é o mínimo das causas de aumento ou diminuição (no geral).


A lógica é que as agravantes e as atenuantes não podem ter a mesma relevância que as causas de aumento e diminuição. Por esse motivo, o máximo de aumento ou diminuição é de 1/6 (teto). Entretanto, STJ não preconiza a respeito do mínimo.


No tocante à previsão legal, as agravantes estão disciplinadas nos artigos 61 e 62 do CP e são taxativas, ou seja, o juiz não pode criar agravantes. Também são genéricas, visto que aplicáveis a qualquer crime, desde que não sejam incompatíveis (bis in idem, por exemplo).


Vale lembrar que as agravantes se aplicam também aos crimes que não estão previstos no Código Penal.


Observação que merece destaque é aquela em que a jurisprudência majoritária entende que a reincidência é a única agravante compatível aos crimes culposos, visto que as demais pressupõem o dolo, ou seja, a intenção em produzir o resultado.


A reincidência consiste no cometimento de novo crime após o trânsito em julgado de sentença condenatória pela prática de outro crime. Tem prazo de 5 anos após o fim da primeira pena. Ou seja, se o acusado cumpre pena de 10 anos, por exemplo, conta-se os 5 anos após o cumprimento da pena.


Outra agravante é a do crime praticado contra ascendente, descendente, cônjuge, irmão, criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida. É imperioso ressaltar que a Jurisprudência se manifesta no sentido de impossibilidade de aplicação dessa agravante para o crime praticado contra companheiro, em razão da expressão jurídico normativa “cônjuge”.


Também não é possível aplicar uma agravante que seja elemento do crime, como por exemplo a agravante da prática de crime contra descendente no caso do infanticídio, sob pena de bis in idem, assim como não é possível aumentar a pena por maus antecedentes (primeira fase) e agravar pela reincidência no mesmo crime.


Já as atenuantes estão previstas no artigo 65 do CP.


Ao contrário das circunstâncias agravantes, as atenuantes não são taxativas, o seu rol é meramente exemplificativo, nos termos do artigo 66 do CP.


São elas:


a) Atenuante da menoridade relativa:


Quando o agente pratica crime tendo menos de 21 anos, a pena é atenuada. Não importa quando se produz o resultado, é considerada a data em que o fato é praticado.


b) Ser o agente maior de 70 anos na data da sentença:


Ter mais de 70 anos na data de publicação da sentença de primeira instância. Nesse caso, o juiz também deverá diminuir a pena.


C) Reparar o dano antes do julgamento:


Também é causa atenuante da pena.


d) A coação moral resistível:


É causa atenuante, assim como a violenta emoção após a injusta provocação da vítima.


É importante notar que se a vítima concorreu com o crime em seu comportamento, isso será considerado na primeira fase da dosimetria. Mas se o réu agiu com base em violenta emoção após injusta provocação da vítima, a pena será atenuada. Não é possível diminuir a pena em primeira fase e atenuar pelo mesmo motivo.


Cometer o crime influenciado por multidão ou em tumulto que não provocou, a pena também será atenuada. As pessoas são suscetíveis ao efeito manada.


Vale lembrar que há as atenuantes específicas trazidas em leis especiais, como os artigos 14 e 15 da Lei de Crimes Ambientais, que trazem agravantes e atenuantes específicas aos crimes praticados contra o meio ambiente.


Fixada a pena intermediária, o magistrado deverá partir para a terceira e última fase da dosimetria da pena.


  • Terceira fase da dosimetria da pena: Causas de aumento e de diminuição


É o momento em que o magistrado analisará a presença de causas de aumento/majorantes e causas de diminuição/minorantes.


A base para isso será o resultado da pena provisória, ao passo que o resultado da terceira fase da dosimetria é a pena definitiva.


Nessa fase, a pena pode ficar abaixo do mínimo. No tocante à pena ser fixada em definitivo acima do máximo, há discussão e a questão não é pacífica. Entretanto, a defesa deve ser combativa e lutar em sentido de não ser possível a fixação acima do máximo, visto que que se a lei dispõe sobre o limite, pelo princípio da legalidade a pena não poderá superar o máximo da base prevista.


Infelizmente, na prática, a pena definitiva costuma ultrapassar o limite da pena.


As causas de aumento e diminuição estão espalhadas pelas partes geral e especial do Código Penal e pela legislação extravagante, por essa razão, nos ateremos a alguns exemplos.


Vale lembrar que as causas de aumento e diminuição previstas na parte geral se aplicam à parte especial e às legislações extravagantes.


Entretanto, a recíproca não é verdadeira, visto que se a causa de aumento ou diminuição estiver disposta na parte especial, ela só se aplicará ao crime/título/capítulo previsto.


Ao contrário do que ocorre no caso das circunstâncias judiciais, agravantes e atenuantes, as causas de aumento e diminuição possuem frações específicas na lei.


O concurso formal é exemplo de causa de aumento de pena, ao passo que no concurso material as penas serão somadas, portanto, não se trata de causa de aumento.


Já o crime continuado é uma causa de aumento de pena que o advogado deve lutar para que o juiz aplique, pois a pena de um dos crimes será aumentada. Ou seja, é melhor responder por 30 furtos com apenas uma pena aumentada do que responder pelos mesmos 30 furtos com penas somadas. Portanto, é uma causa de aumento de pena favorável à defesa.


Nos termos do artigo 71 do CP, no caso de reconhecimento de crime continuado, a pena será aumentada de 1/6 até 2/3.


Outro exemplo de causa de aumento é a do homicídio culposo no exercício de profissão, pois nos termos do art. 121, § 4º do CP, a pena será aumentada em 1/3.


Por outro lado, são exemplos de causa de diminuição a tentativa, participação de menor importância, homicídio com diminuição de pena.


Importante ressaltar que o erro sobre a ilicitude do fato, se evitável, é causa de diminuição, ao passo que o erro de proibição (inevitável) é causa de isenção da pena (exclui a culpabilidade).


O estado de necessidade quando era razoável o sacrifício do direito, também é exemplo de causa de diminuição.


Por fim, é necessária atenção ao disposto no § único do artigo 68 do CP, que preconiza que “no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua”.

Tomemos como exemplo o concurso de causa de aumento de pena no roubo, quando praticado com emprego de arma e em concurso de agentes. O juiz poderá utilizar apenas uma causa de aumento, poderá reconhecer as duas, mas aplicar apenas uma delas (a que mais aumente).


Quanto às causas de diminuição a regra é a mesma, poderá limitar-se a que mais diminua, desde que ambas estejam previstas na parte especial.


Esses são alguns dos aspectos mais importantes a se saber sobre a dosimetria da pena.


Bruno Ricci - OAB/SP 370.643

Contato: (11) 99416-0221





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