Se a pessoa foi presa em flagrante, por que o processo é necessário?
- brunoricciadv
- 1 de jul.
- 3 min de leitura
Essa certamente é uma das maiores dúvidas da sociedade a respeito do processo penal.
Quantas vezes já ouvimos essa pergunta em programas sensacionalistas que exploram o crime como forma de entretenimento?
“Se foi preso cometendo crime, pra que processo? A lei é muito branda, protege bandido!”
Essas são algumas das assertivas que ouvimos pela imprensa...e como elas convencem, não? Como soam bem aos ouvidos do senso comum.
Embora possam parecer convincentes, são falsas e equivocadas.
A questão é que na medida em que a sociedade conquista direitos e garantias, os tempos difíceis vão caindo no esquecimento.
Com isso, o Estado volta a se fortalecer nos abusos e endurecimentos punitivos do cidadão, e o resultado? A questão de direitos e garantias volta à mesa e esse ciclo parece não ter fim.
Para responder à primeira pergunta, é preciso ter em mente que o processo penal não é algo contemporâneo e, embora pareça, as coisas nem sempre foram como elas são.
É preciso ter em mente que o Estado já cometeu os mais diversos abusos e escárnios no exercício do seu poder punitivo, e a única forma de uma sociedade civilizada sobreviver e se desenvolver como tal é a partir do devido processo legal (penal).
Sem o devido processo penal não há Estado Democrático de Direito.
Em suma, o processo penal é o filtro do Poder Punitivo Estatal; é por meio do processo que se fiscaliza as ações do Estado (em especial, da polícia) quando um cidadão é tido como suspeito da prática de um crime.
Mas a pergunta permanece...se foi preso em flagrante, por que isso é necessário?
Como dito, processo penal é a garantia de fiscalização do Poder Punitivo do Estado. Garantia para quem? Para os bandidos? Logicamente, a resposta é não.
Processo Penal é garantia a todo cidadão em uma sociedade democrática; é dizer que toda vez que a liberdade de um indivíduo está sendo tensionada pela necessidade de manutenção da segurança e tranquilidade social, indispensável é a fiscalização contra os abusos.
Quem fiscaliza a ação da polícia que prende alguém em flagrante, no que concerne à legalidade da segregação e a presença dos requisitos mínimos do estado de flagrância é o Poder Judiciário.
A questão é que quem detém o poder, tende ao abuso...e no tocante à garantia de uma sociedade realmente democrática, a fiscalização deve ser constante.
Não há democracia sem o devido processo legal.
Daí o motivo pelo qual todos devem ser considerados inocentes e o porquê de o dever da prova recair sobre o Ministério Público (Estado).
É o Estado quem detém todo o aparato coercitivo necessário ao exercício da persecução penal, logo, é dele o ônus de provar não apenas que o sujeito de fato estava em flagrante delito, mas que a ação policial atendeu ao estrito princípio da legalidade.
O fato é que o Estado nunca precisou de processo para punir ninguém, mas o cidadão sempre sofreu abusos no exercício desse poder de punição.
Incontáveis são as pessoas que pereceram, foram torturadas, presas e condenadas apesar de serem inocentes.
Em uma democracia toda a ação punitiva estatal deve ser posta sob suspeita, pois Estado Democrático de Direito pressupõe fiscalização.
Quem garante que aquela pessoa realmente cometeu o crime? Quem garante que ela não agiu em legítima defesa ou estado de necessidade? Será que ela não sofreu uma coação física ou moral irresistível? Quem garante que o flagrante não foi “forjado”?
Não existe Estado Democrático sem o devido processo penal, ainda que o cidadão tenha sido preso em flagrante delito; aliás, nesse caso é que o processo penal se revela ainda mais necessário, pois de um lado temos a liberdade de alguém sendo cerceada e de outro o Poder Punitivo estatal sendo levado a efeito.
Logo, maior é a necessidade de garantia ao direito de fiscalização.
Ainda que a prisão tenha sido em flagrante, todo e qualquer cidadão deve ser considerado inocente até que sobrevenha o trânsito em julgado de uma decisão condenatória.
Bruno Ricci - OAB/SP 370.643
Presidente da Comissão de Segurança Pública da ABRACRIM (ABCDMRR)
Contato: (11) 99416-0221

Comentários