Inicialmente, esclarecemos que o objeto desse artigo não é o acompanhamento da prisão em flagrante (isso será tratado oportunamente), mas sim, aqueles casos em que o cliente entra em contato alegando que recebeu uma notificação para comparecer à delegacia.
O comparecimento em delegacia é um dos maiores pesadelos para muitos advogados, especialmente para aqueles que jamais pisaram em uma repartição policial. Esse artigo não pretende abordar tudo o que pode acontecer em uma delegacia, mas sim, te preparar minimamente e fazer com que você se sinta mais seguro (a)!
Antes de mais nada, tenha em mente e aceite o fato de que o advogado não é bem-vindo em uma delegacia! E não é nada pessoal, a questão é que policiais civis não gostam de advogados acompanhando as investigações.
Partindo dessa premissa, imagine que o seu cliente entre em contato alegando que foi notificado a comparecer a uma delegacia. A primeira coisa a ser feita é obter o máximo de informações a respeito dessa suposta infração, geralmente, ao entrar em contato o próprio cliente irá começar a se explicar. Contudo, saiba que a pessoa pode estar omitindo algumas informações ou até mesmo falando sobre algo totalmente diferente do que consta no inquérito.
Por essa razão, você irá pedir uma foto dessa notificação ao seu cliente, pois com esse documento o colega terá acesso ao número do inquérito, os dados do Distrito Policial, o nome do escrivão (ou do delegado) e a data e horário em que o cliente deverá comparecer.
Tenha em mente que você não sabe o motivo pelo qual o seu cliente está sendo notificado, portanto, jamais o conduza até uma delegacia sem antes se certificar de que não há um mandado de prisão preventiva expedido! Você irá esclarecer o seu cliente sobre a necessidade de que você tome ciência dos autos do inquérito policial sem que ele esteja presente, visando evitar uma desagradável prisão na sua presença.
Nesse momento, é importante esclarecer ao leitor que “berimbau não é gaita”! Nós não estamos dizendo que você deve ocultar o seu cliente das autoridades, mas sim orientando a respeito do que pode acontecer caso você compareça junto a ele sem ter ciência do objeto das investigações!
É hora de se preparar para ir à delegacia!
Chegada a hora de ir à delegacia, aqui começa a sua preparação. Primeiramente, saiba que assim como um policial militar usa farda e um policial civil carrega um distintivo no peito, ADVOGADO USA TERNO! Se você for uma advogada, escolha a roupa mais formal que você possuir! Não, eu não estou sendo preconceituoso com a sua roupa, mas se você quer ser tratado (a) como um (a) advogado (a), deve ao menos ter a aparência de um.
A caminho da delegacia, tenha em mãos a notificação do seu cliente e a procuração assinada por ele, pois a primeira irá te indicar o nome do escrivão, o andar e a sala que você deve comparecer na delegacia e a segunda te dará mais segurança para agir em nome do cliente, embora você não precise de procuração para ter acesso ao inquérito. Também tenha em mãos um estatuto da advocacia e a Súmula 14 do STF. Você entenderá o motivo mais adiante...
Como se portar na delegacia?
Assim como cães farejadores, policiais sentem cheiro de medo, portanto, ainda que você esteja com medo, faça o possível para parecer corajoso! Sentir medo é normal, mas se você pretende ser um profissional bem-sucedido na advocacia criminal, precisa aprender a controlar suas emoções. Ao final desse artigo, iremos indicar alguns livros que serão muito úteis para que você conheça sobre linguagem corporal e estratégias na comunicação e, assim, aprenda a dominar a arte de atuar em delegacia (sim, é uma arte e se você for um verdadeiro criminalista, ainda irá se divertir muito com isso!).
Amigo (a), tenha em mente que você não é qualquer pessoa, você é um (a) advogado (a)! A primeira coisa a se fazer ao entrar em uma delegacia é sentir orgulho disso! Estufe o peito, esboce um sorriso confiante e seja educado (a) com todos! Faça questão de ser notado (a) pela sua imponência, pois você é um (a) advogado (a) e é a única pessoa naquela repartição disposta a defender os interesses do seu cliente! Isso é para poucos! Sinta-se orgulhoso (a)!
Mas cuidado...seja notado (a) pela imponência da sua postura, e não pela sua arrogância....
O primeiro contato com o escrivão.
Via de regra, o seu primeiro contato será com o escrivão e ele não será agradável. Lembra do que eu disse lá em cima? Advogados não são bem-vindos na delegacia! E com o tempo você poderá aprender a gostar disso.
A princípio, o escrivão irá te tratar de forma ríspida, pois das duas uma: ou você é um (a) advogado (a) medroso (a) que ele irá dispensar nos próximos 30 segundos, ou você é uma pessoa arrogante, como muitos profissionais que ele já atendeu.
Ele irá fazer o possível para que você não tenha acesso ao inquérito, mas aqui vai a dica: nem escrivão nem delegado podem te impedir, pois esse é um direito seu!
O escrivão está sendo ríspido e se recusando a me deixar acessar o inquérito. O que fazer?
Caro (a) colega, o primeiro contato com o escrivão é muito parecido com aquele momento em que você está galanteando aquela pessoa que você gosta. A princípio, essa pessoa poderá te ignorar, te tratar com desdém, fazer de tudo para que você vire as costas e vá embora. Num segundo momento, ao perceber sua persistência, confiança e determinação, ela irá se acostumar com a sua presença e te dará um pouco mais de atenção, pois você não perdeu a compostura, a educação e o sorriso, malgrado as “porradinhas” que levou. Você demonstrou empatia!
No terceiro momento, ela não resistirá aos seus encantos e, inclusive, te convidará para tomar uma bebida (no caso do escrivão, uma xícara de café)! Você duvida? Então vamos lá! Essas são as duas informações básicas que irão deixar qualquer escrivão “caidinho” por você:
“Art. 7º do EAOAB:
São direitos do advogado:
XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;”
“Súmula Vinculante 14:
É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
Agora que você conhece os seus “encantos”, é hora de aprender quando e como usá-los. Não é aconselhável mencionar essas duas normativas em um primeiro momento, use sempre a política! Seja razoável! Espere o escrivão concluir o seu inconformismo, não o interrompa, mantenha a educação e fale bem devagar. Isso irá demonstrar que você não é medroso ou arrogante, e, portanto, sabe o que está fazendo!
Se o escrivão disser:
“doutor (a), o processo físico não está disponível! Todos os autos são digitais! Vou te passar o número e você acessa pelo seu escritório”,
Responda:
“muito obrigado pelo esclarecimento, vou anotar o número sim. Porém, insisto em ter acesso a esse processo físico, pois o meu cliente foi intimado a comparecer e prestar esclarecimentos...”
Nesse momento ele poderá te interromper em tom ríspido:
“e por qual motivo ele não veio, doutor (a)? Ele não sabe que pode responder por crime de desobediência?”
Ao que você irá responder:
“que bom que você mencionou, eu ia mesmo chegar lá...meu cliente não está acostumado a comparecer em delegacias, por isso insistiu para que eu viesse para ver do que se trata. Ele tem interesse em cooperar com as investigações, contudo, irá comparecer em outra data, de acordo com o seu agendamento...”
Provavelmente, o policial irá resmungar bastante, poderá até proferir palavras de baixo calão, mas não se preocupe, isso é normal e ele irá acabar reagendando a oitiva. No que se refere ao seu acesso ao inquérito, ele poderá alegar que irá almoçar, no intuito de que você desanime e vá embora, ou inventar qualquer desculpa que impossibilite o seu acesso.
Mas você não é qualquer profissional! Você sabe que tem direito e que ele não poderá te impedir. Portanto, mantenha um sorriso no rosto, olhe bem nos olhos dele e diga:
“amigo, eu não estou aqui para atrapalhar o seu trabalho...pelo contrário, estou aqui para evitar futuras alegações de nulidades processuais em decorrência da inobservância a direitos e prerrogativas durante as investigações. É meu direito acessar o inquérito e caso isso não seja possível, infelizmente terei de acionar as prerrogativas da OAB. Se você precisa ir almoçar, não se preocupe, eu espero com todo prazer! Vá sem pressa.”
Nesse momento, eu garanto a você que ele irá começar a se desarmar! Eu já agi dessa forma muitas vezes, nunca precisei erguer o tom de voz e sempre fui atendido de forma a conseguir o que queria (e podia).
Lembra o que eu disse sobre “oferecer uma bebida”? Recentemente, estive em um DP na cidade de São Paulo e ao demonstrar empatia com a agenda de um escrivão (que a princípio me tratou de forma bem áspera), consegui não apenas ter acesso ao inquérito, mas também que ele ajustasse um lugar bem confortável para a consulta e uma xícara de café. Pasme, enquanto eu lia o inquérito, ele me mostrou um vídeo engraçado que recebeu pelo WhatsApp e demos boas risadas juntos!
A atuação em delegacia é uma arte, desde que o artista domine as suas emoções e demonstre poder, mas não com arrogância, com conhecimento! Pois como em qualquer lugar, em uma delegacia, conhecimento é poder! Por isso, conheça seus direitos enquanto advogado, leia todo o artigo 7º do Estatuto da Advocacia, tenha postura, seja um verdadeiro advogado e eu garanto, você irá conseguir tudo o que precisa! Conheça os seus limites e os limites da autoridade!
Aqui vão algumas dicas de leitura para aprimoramento das suas relações interpessoais, controle emocional e desenvolvimento de análise e execução da comunicação não verbal, os livros podem ser encontrados no Spotify em audiobook:
a) Manual de Persuasão do FBI;
b) A arte da Guerra – SUN TZU;
c) As 48 Leis do Poder.
Bruno Ricci - OAB/SP 370.643
Contato: (11) 99416-0221
Comments